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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O Canteiro, a Biblioteca e Eles



O canteiro, a biblioteca e eles

O dia era sexta-feira! Sozinha, sentada próximo a um canteiro que cingia a biblioteca central (tema de tantos outros encontros frustrados) o único cheiro que se permitia sentir era o da terra seca levemente temperada com gotas de chuva temporã a enfadar seu coração. Não importava a oscilação externa... Seu interior gritava fatigado e comovido... Chega!
Passaram-se quase três anos desde o momento em que ela deitou os olhos nele e adormeceu. Já não podia ver mais nada alem dos seus sonhos encantados, seu mundo recriado sem portas, sem janelas... Sem escape. Ela o amava... Condenava-se ao perpetuar cada calafrio que sua presença a causava. O tempo nada dizia, calava-se; fingia cumplicidade. Mergulhada, asfixiada com a probabilidade de viver, queimar cada fio de cabelo naquela chama que prometia arder, incendiar, refolgar seu corpo numa bandeja de prata a servi-lo (dos deuses o manjar) optou por acreditar.
Ao sair de casa tantas eram as possibilidades... Vê-lo, tocá-lo, sentir outra vez os seus lábios quentes, seu coração pulsante, aquela respiração ofegante... Ela verdadeiramente acreditava nisso! A paisagem se perdia na distância e seu pensamento, agitado, impaciente, não podia esperar, chegou primeiro e já o acariciava. O sonho era real e o óbvio uma nuvem negra que a induzia a recuar. Negando a si mesma qualquer informação que viesse de encontro a sua “tarde perfeita”, foi ate o fim.
Finalmente seu corpo chegou onde o seu pensamento já havia se instalado e foi olhando nos olhos dele que ela pôde ver aos poucos o seu mundo se desmoronando. Menos de cinqüenta minutos de palavras descompromissadas porem de uma força aceitável, dissipando anos de uma paixão nunca correspondida. A frieza da sua presença veio acompanhada com a clareza dos seus sentimentos. Não havia desejo... Não nele! E enquanto falava, no seu intimo ela estapeava a si mesma na tentativa desvairada de despertar, acordar de um sono profundo, impregnado de ilusão.
Dezesseis e trinta! Acusava o relógio numa pontualidade doída. O big bem de Londres... o relógio de São Pedro, qual a diferença se a cada tic tac ele se distanciava do canteiro, da biblioteca e dela. Saiu arrastando seu mundo encantado, seus sonhos dourados, seu conto de fadas. Se tivesse ao menos olhado para traz perceberia o caos e instintivamente tornaria mais leve os seus passos. Quem sabe parasse repensando seus atos e retornasse... Quem sabe? Antes se foi, deixando a certeza de jamais ter desejado ficar!
Duas horas depois e o que mudou? O cenário ainda era o canteiro, só as flores fecharam suas pétalas e deixaram de brilhar, afinal o sol as havia abandonado. A noite chegou! As pessoas iam e vinham indiferentes umas as outras. Ela cabeça baixa, olhos fixos no nada, despojada de qualquer sensação externa ignorava o desconforto que sentia o seu corpo pelas horas que passou sentada ali, como um ser inanimado, em silêncio, travando sua própria batalha.
Está na hora de levantar, dizia a se mesma referindo-se não a um movimento dos membros inferiores num sentido lógico da palavra... Esse tal encontro perfeito acontecia no limiar dos muros do seu mundo e que esse amor conjugava-se unicamente na primeira pessoa do singular. Levantar sim, despertando, reconhecendo a alma anestesiada, acamada... Definitivamente libertar seus anseios, aceitar seus medos e se reconstruir bem longe do canteiro, da biblioteca e dele.
Zanna Santos

Mariana Tinha um Sonho








Mariana tinha um sonho...


... Na placa: RUA DO CÉU. Rua deserta, mesmo estando às casas juntinhas e em grande numero, não se via gente. Ninguém para comprar o pão ainda quentinho na padaria ao lado; receber o jornal lançado as pressas pelo moleque; ou atender o leiteiro que passa sempre apressadamente pelas casas a avocar de sobressalto. Que estranho esse vendedor. Parecia estar vendo fantasmas. Eu hein! Ninguém queria leite!? _Se pudesse apanhá-lo sem abrir o portão... Mariana ouviu esta frase rixosa da boca da vizinha camuflada com as ramagens do seu jardim.


Moça do interior, Mariana chegara àquela cidade há muito pouco tempo. Herdara a casa da sua avó. – Mais é tão linda! Dizia ela ao vê-la pela primeira vez. Sem pensar, mudou-se com o pouco que tinha. Na sua bagagem coisas pequenas. No seu coração, a esperança de fazer do seu novo lar, um cantinho de paz!


Toda tarde sentava-se na varanda a espera do aconchego dos vizinhos e a observar um casarão bem de frente a sua moradia. _ Estranha pensão essa ai (pensava). Pobre Mariana! Ela só queria um sorriso; um bom dia com sabor de calor humano. _ Amanhã certamente eles me verão aqui! Consolava a si mesmo e retornava a solidão do seu recanto.


Em uma dessas tardes, a moça percebeu um burburinho do outro lado da rua. Dirigiu-se até o seu portão na esperança de ver crianças reunidas, brincando de amarelinha, pega pega... Não importava o que tivessem fazendo, eram crianças. _ Saía já desse portão, sua louca! Gritava a vizinha da persiana do banheiro. Por quê? Tadinha da Mariana, tão ingênua e desinformada! _A alegria contagiante dos pirralhos jogando pelada na rua seria tão bom! (pensou). Bateu a porta por trás de si.


Enfadada com tanta clausura, colocou seu xale e desceu a ladeira. Desejava encontrar nem que fosse o leiteiro. Sentou numa pracinha a poucos passos da sua casa. Passaram-se uma, duas, três horas e finalmente, alguém! _ Moço, moço. Hei! O homem aumentou seus passos e seguiu adiante, até parar de frente a uma casa e entrar afoito. Lá vai a Mariana de volta pra sua solidão.


Dias depois, estourou do outro lado uma rebelião no presídio e a rua do céu ficou tomada por policiais. Prisioneiros se atracavam com a PM, pois as armas não os intimidavam. E o céu mais parecia o inferno em chamas. Os homens lutavam como animais e os corpos se espalhavam pelas calçadas. . .


_Então a grande casa de janelinhas mil, que a noite ilumina o pedaço do céu, é um presídio? Mariana caiu em si e começou a chorar.


_De que vale o colorido contagiante das paredes do céu, e o belo jardim daquela praça a ornamentar a sua entrada, se a morte aqui se esconde espreitando seus moradores? Tenho um sonho (gritou parada no meio do tiroteio): Levantemos um muro, dividamos a rua, exilemos a grande casa iluminada que selam homens de almas desgraçadas e deixemos que em paz, nossas crianças brinquem de amarelinha. Ai!! Seu grito ecoa pelo ar e ela cai agonizante a repetir: levantemos um muro... levantemos...


Doce sonho esse da Mariana!




Notícia em primeira mão!



Noticia em primeira mão!
A tarde estava ensolarada e a quentura aumentava a preguiça. Eu só pretendia descansar um pouco ao lançar-me naquela cama. Minutos depois eu levantava toda molhada de suor e totalmente convencida de que aquela não teria sido uma boa idéia. _tomar um banho demorado, estourar pipocas e ver TV, acionadas nessa ordem, me faria um bem danado!
A TV já estava ligada e a pipoca, muito convidativa, cheirava deliciosa numa tigela de vidro. _Isso sim que é vidão! O frescor do banho e o relaxamento que aquele estofado bem aconchegado me causara, devolvia-me a sonolência perdida devido ao calor intenso.
Eu caminhava dispersa por uma estrada de barro, cercada de árvores que exalavam perfume de flores múltiplas. O vento forte embalava meus passos e eu podia flutuar. Sentia meus cabelos acariciarem meu rosto me arremetendo a uma tranqüilidade inexplicável. Minutos depois estava sendo arrancada daquele mundo perfeito por vários estampidos. Abri os olhos completamente assustada e percebi tristemente: era apenas um sonho. A realidade estava diante de mim, através do aparelho de TV. O jornal da globo, em edição extra ordinária, transmitia ao vivo, um extermínio. O local era um ponto de ônibus, onde havia uma grande concentração de pessoas. Fato esse que não intimidou a ação dos bandidos, os quais se aproximando de uma senhora de aparentemente sessenta e cinco anos, dispararam uma calibre doze em sua cabeça. _Meu Deus! O desespero tomou conta do lugar e as reações eram adversas! Gritos por todo o quarteirão! Epa! Eu conheço esse lugar! Sai desesperadamente do sofá e fui até a janela do meu apartamento... O João, meu vizinho do setenta e oito, corria como um condenado! Estaria ele na lista negra dos exterminadores? O tumulto estava formado a poucos metros da minha janela. Meus olhos não me negaram uma cena que jamais vou esquecer: o vovô Florêncio de cócoras e calças arriadas, jogando seu barrão pra fora em pleno centro da escarcéu criminal. Todo mundo tem o direito de reagir como convém ao seu sistema nervoso; eu acho! Mas daí a dar todo o aparato a essa reação? Deixar escorrer a merda pelas pernas é normal! Se cagar? Quem não se cagaria numa situação dessa, que atire a primeira pedra! Porem, com a diplomacia do vô Florêncio, isso eu quero é ver de novo! Não vou negar que por segundos, fui contagiada por uma imensa vontade de rir.
Desliguei a televisão e voltei à janela. As sirenes se fundiam deixando no ar um som brusco, me submetendo a vários pensamentos de indignação. Um vermelho carmesim, luzia em contato com a luz do sol. Era sangue na calçada!
A noite caiu e eu ali, como uma atalaia, debruçada na janela, me certificando que a paz voltaria logo a minha rua. Adormeci.
Zanna Santos
23 de out 08

Deusa de Ébano




Sebastiana
Deusa de ébano
Zanna Santos


Lá vem ela descendo a ladeira.
Menina bonita, toda faceira.
De longe seu cheiro exala...
Crioula criada, negra arretada.

Sebastiana, filha, neta de escravos.
A lata d’água na cabeça aviva o seu rebolado;
Seus peitos fartos e arredondados,
Dançam transparentes na veste molhada.

Deslizante como água de cachoeira,
Encanta negros, brancos e seres celestiais.
Deusa da noite; princesa de ébano;
És tu Tianinha, a mais linda mulata.

Desce logo essa ladeira;
Entre na roda venha nos agraciar.
A senzala é o teu palco e teu gingado nos fascina.
Quebre e requebre, fazendo luzir a brincadeira!

Afrontastes a vaidade das brancas,
Vestida de trapos, pano de saco...
E nem mesmo as pérolas te apagaram;
Bela rainha disfarçada de escreva.

Feche a boca senhorzinho, siga o seu caminhar,
A pretinha não tem dono, nem tem sinhá,
É parte da natureza. É terra é mar...
E com os pés algemados se ergue pra reinar.